... “Importante mesmo é compreender que face aos relatos tão comovedores do Natal estamos diante de um grandioso mito, entendido positivamente como os antropólogos o fazem: o mito como a transmissão de uma verdade tão profunda que somente a linguagem mítica, figurada e simbólica é adequada para expressá-la. É exatamente o que o mito pretende. O mito é verdadeiro quando o sentido que quer transmitir é verdadeiro e ilumina toda a comunidade. Assim o Natal é um mito cristão cheio de verdade, da proximidade de Deus e da familiaridade.”
... “O Natal nos quer comunicar que Deus não é aquela figura severa e de olhos penetrantes para perscrutar nossas vidas. Não. Ele surge como uma criança. Ela não julga; só quer receber carinho e brincar.
Eis que do presépio veio uma voz que me sussurrou: ”Oh, criatura humana, por que tens medo de Deus? Ele não se fez criança? Não vês que sua mãe enfaixou seus bracinhos e seu corpinho frágil? Não percebes que ela não ameaça ninguém? Nem condena ninguém? Não escutas o seu chorinho doce? Mais que ajudar, essa criança precisa ser ajudado e coberta de carinho porque sozinha não pode fazer nada; não sabes que ela é o Deus-conosco-como nós?”
E ai já não pensamos mais, mas damos lugar ao coração que sente, se compadece e ama. Poderíamos fazer outra coisa diante desta Criança, sabendo que é o Deus humanado?
Talvez poucos escreveram tão bem sobre o Natal, sobre Jesus Criança, que o poeta português Fernando Pessoa: ”Ele é a eterna criança, o Deus que faltava. Ele é o divino que sorri e que brinca. É a criança tão humana que é divina”.
Mais tarde transformaram o Menino Jesus no São Nicolau, no Santa Claus e, por fim, no Papai Noel. Pouco importam os nomes, porque no fundo, o espírito de bondade, de proximidade e de Presente divino está, de alguma forma, lá.
Acertado foi o editorialista Francis Church do jornal The New York Sun de 1897 respondendo a uma menina de 8 anos, Virgínia, que lhe escreveu: “Prezado Editor: me diga de verdade, o Papai Noel existe?” E ele sabiamente respondeu:
“Sim, Virgínia, Papai Noel existe. Isto é tão certo quanto a existência do amor, da generosidade e da devoção. E você sabe que tudo isto existe de verdade, trazendo mais beleza e alegria à nossa vida. Como seria triste o mundo se não houvesse o Papai Noel! Seria tão triste quanto não existir Virgínias como você. Não haveria fé das crianças, nem a poesia e a fantasia que tornam nossa existência leve e bonita. Mas para isso temos que aprender a ver com os olhos do coração e do amor. Então percebemos que não há nenhum sinal de que o Papai Noel não exista. Se existe o Papai Noel? Graças a Deus ele vive e viverá sempre que houver crianças grandes e pequenas que aprenderam a ver com os olhos do coração”
Nesta festa, tentemos a olhar com os olhos do coração, pois todos fomos educados a olhar com os olhos da razão. Por isso somos frios. Hoje vamos resgatar os direitos do coração que é caloroso: deixar-nos comover com nossas crianças, permitir que sonhem e nos encher de estremecimento diante da Divina Criança que sentiu prazer e alegria ao decidir ser um de nós pela encarnação.”
LEONARDO BOFF - Leonardo Boff, pseudônimo de Genézio Darci Boff, é um teólogo, escritor e professor universitário brasileiro, expoente da Teologia da Libertação no Brasil e conhecido internacionalmente por sua defesa dos direitos dos pobres e excluídos.